Para abordar a Balaiada é preciso compreender o contexto histórico no qual ela se insere: o processo de lutas pela emancipação política do país, que vem desde as conjurações do final do século XVIII e se estende até meados do XIX, quando se consolidou a monarquia constitucional. É uma delimitação que procura resgatar os diversos conflitos e mobilizações populares verificados no período, fugindo dos marcos da historiografia tradicional que “aprisiona os historiadores na constelação dos seus objetivos metodológicos e que determina a forma e o conteúdos das pesquisas” (De Decca, 1981: 14).
O processo da Independência foi longo, penoso e violento, permeado de manifestações em várias províncias. O grito do Ipiranga constituiu-se em uma forma encontrada pelas elites para frear as idéias revolucionárias, manter a dinastia, os privilégios do antigo sistema colonial e garantir os interesses econômicos. O movimento de independência foi “um complexo processo no qual lançam suas raízes todos os desenvolvimentos decisivos ulteriores da sociedade brasileira” (Fernandes, 1976: 71).
Para Caio Prado Jr. a Independência teve a feição de um “arranjo político” articulado à revelia da sociedade brasileira. A grande propriedade não foi tocada; permaneceu a mesma estrutura de produção escravista e foi a oportunidade para a afirmação no poder local dos grupos proprietários de terra e de escravos e dos comerciantes, principalmente a partir da deposição de D. Pedro I em 1831.
Esta decorreu da teimosia do Imperador que não cedia aos interesses das oligarquias brasileiras e insistia em governar com o apoio dos portugueses, inaugurando a Regência, uma das fases mais violentas do século XIX, e que “dá acabamento ao processo de Independência, definindo o campo e as formas políticas que ocupam e dão fisionomia ao estado em nosso país” (Sodré, 1979: 249).
Um estado elitista e autoritário, instrumento dos grupos dirigentes da época que “assumiram os novos papéis políticos e jurídicos ou administrativos em todas as esferas da organização do poder” (Fernandes, 1976: 16).
A sociedade brasileira da primeira metade do século XIX permanecia com as mesmas características dos tempos coloniais e no Piauí não era diferente: grande parte da população era escrava, e quando livre, vivia em péssimas condições de pobreza, sem acesso ao trabalho e à terra.
O passado histórico da sociedade piauiense é marcado por lutas e conflitos sangrentos, constantes desde os tempos de sua colonização, quando a população nativa foi morta, escravizada, aldeada e expulsa para dar lugar às grandes fazendas de gado. A guerra contra a população nativa foi longa e cruenta. O branco colonizador implantou uma estrutura baseada na pecuária extensiva, predadora e escravista - durante muito tempo a principal atividade econômica da província. É a partir dessa época que surgem os grupos sociais: de um lado, os donos das fazendas, grandes sesmeiros, formando as camadas dirigentes; de outro, os posseiros, os vaqueiros, lavradores e escravos, as camadas populares inseridas em uma sociedade em transição cuja “superestrutura política já não correspondendo ao estado das forças produtivas e à infra-estrutura econômica do país se rompe, para dar lugar a outras mais adequadas às novas condições econômicas ...” (Prado Jr., 1979: 47).
Essa transição corresponde à crise do sistema colonial, às lutas pela independência e à formação de um Estado Nacional excludente do direito à cidadania e do acesso à terra para a imensa maioria da população pobre. É essa população pobre que explode em manifestações de descontentamento durante toda a Regência, como na Balaiada.
Fonte: http://r1.ufrrj.br/esa/V2/ojs/index.php/esa/article/viewFile/73/69