Saco das Almas é povoado do município de Brejo-MA, com características quilombolas e um histórico de luta pela terra.
Veja texto de Celso Serrão:
"É bom não esquecer nunca a história do seu Claro Ferreira da Costa, senhor de claras idéias, boa memória, bom coração e pele bem escurinha, envernizada pelo sol. Nascido e criado no Saco das Almas, município de Brejo, seu Claro nasceu em 2 de março de 1931, e adora contar as boas e más histórias que o acompanham em todos esses anos de vida.
Sr Cláudio Ferreira Costa, morador e descendente dos habitantes de Saco das Almas. Presta relato oral sobre a história do povoado (ainda vivo em 2014) |
O saco das almas foi fundado por capitão Timóteo, em 1768. As terras foram doadas ao capitão que teve três filhos: Tomaz, Inácio e Leandro da Cunha Costa. O Inácio era pai de Manoel Ferreira Lago, pai de Alexandre Ferreira lago, pai de Januária Ferreira da Costa, mãe de Claro. São seis gerações.
Capitão Timóteo foi das primeiras remessas dos negros que vieram da Angola para o Brasil, direto para o Saco das Almas, uma mata onde só tinha índios. Na época existia o Brejo de Anapurus – hoje cidade de Brejo, e o povoado data Saco das Almas. O negro velho capitão Timóteo (não sei se já veio com a família, ou construiu uma por lá) teve esses três filhos e a família se multiplicou.
Vila das almas, Vila Crioli, São Raimundo, (Brejo), Santa Cruz, Barrocão (Buriti) São José, Pitombeiras…
Foto tirada na comunidade de Saco das Almas por ocasião do I Congresso Regional Quilombola do Baixo Parnaíba |
Segundo o Iterma o Saco das Almas tem 23.103 hectares de terra. Elas foram desapropriadas em 1975 pela Incra que dividiu as 8 comunidades em 262 lotes: os maiores (com 300, 500, 700 hectares) [...].
Os quilombolas com o tempo e com a chegada de mais gente cobiçando suas terras, tiveram que vendê-las [...]. Hoje tem muita gente vivendo ali porque comprou as terras dos assentados, não lutaram por aquilo lá, não se sentem parte.
“Em 1917, no mês de junho, queimaram a casa do meu avô, pai de minha mãe, tomaram cavalo, forno, roça, destruíram tudo. [queriam] tirar o velho meu avô do local, que tava perto dele.
O velho não queria sair porque era dono e ele queimou tudo. Nesse ano o velho perdeu o sentido, mas viveu até 1936 (eu tinha 6 anos de idade). Ele se tacava nos ‘matos’ e a minha mãe atrás com a cabacinha d’água e a tigela de comida. Ele sentava debaixo dos paus e lá não tinha quem tirasse ele, louco, louco (assim ficou por quase vinte anos).
O velho não queria sair porque era dono e ele queimou tudo. Nesse ano o velho perdeu o sentido, mas viveu até 1936 (eu tinha 6 anos de idade). Ele se tacava nos ‘matos’ e a minha mãe atrás com a cabacinha d’água e a tigela de comida. Ele sentava debaixo dos paus e lá não tinha quem tirasse ele, louco, louco (assim ficou por quase vinte anos).
Em 17 de julho de 1930 (ou 31) [...] queimaram a casa do meu pai, deixaram meu pai na chuva com toda a família, meu pai comigo no braço, eu com 90 dias de nascido. Caiu chuva do dia 17 pro dia 18 que tudo foi levado pelas correntezas: baú, galinha… Tinha dois irmãos meus, João Ferreira da Costa e Antônio, pegaram na perna do meu pai. Pegaram um tio meu, botaram no meio do tempo, com a chuva ele inchou e rachou as pernas e dessa ele morreu.
Em 1968 eles derrubaram a minha casa, chegou o ministro da reforma agrária do dia 10 de janeiro de 1966 e mandaram avisar nós que se tivéssemos os documentos da terra era para levar para o ministro que estava na cidade de brejo. Fui eu e um irmão meu, o ministro pegou o documento do bisavô da minha mãe, com 121 anos de rubricado. O ministro perguntou de quem era: falei que era de Inácio da Cunha Costa, pai de Mamede Ferreira Lago (que mudou o nome porque serviu no quartel), pai de Alexandre, pai de Januária. Ele mandou nos fazer a declaração como herdeiro.”
Seu Claro e o irmão disseram que não iam fazer com medo de sofrer perseguições, o mesmo que seus antepassados. “O ministro disse: faça, mesmo que sofra, mas a justiça protege. Veio uma equipe do Incra e pegou as terras e botou na mão de outros, em 1968.”
“Em 75 fizeram uma mortandade, e o governado José Sarney passou a informação pro Ernesto Geisel, Presidente da República, em dezembro de 75 (veja se era esmo o presidente da época). A história contata foi que em 1968, no mês de outubro, derrubaram minha casa, e até janeiro de 69 nós nos sustentamos apenas com a quebra do coco babaçu. Quando foi em dezembro daquele ano, minha mãe saiu pro mato para quebrar o coco com uma quadrilha de mulher e menino, um irmão meu, um sobrinho e mais dois companheiros. Lá [juntou-se] uma quadrilha de 18 capangas, ‘arrudiaram’ o nosso grupo e fuzilaram o menino, atiraram no meu irmão que veio acudir (recebeu um tipo detrás da orelha), minha mãe se agarrou no menino e eles deixaram ela com seis golpes na cabeça ( o menor golpe, quatro dedos não cobria).”
Em todas as áreas têm descendentes de Timóteo, pelo menos um. Seu Claro fala com orgulho: “éramos seis irmãos, cinco homens e uma mulher (morreu dois irmãos homens e uma mulher). Tive 11 filhos, o segundo filho casou, morreu e deixou a mulher com 8 filhos. Os dez que ficaram todos são casados. Tenho mais de 50 netos e muitos deles já casados. Todos moram lá”.
A origem para o nome do Saco das Almas tem várias historias. Os irmãos dos pais de seu Claro dizem que um dos negros serviu na guerra no Rio de janeiro antes de 1822, e quando a guerra foi vencida chamaram ele e perguntaram de onde ele era. “Ele disse que vinha do Maranhão, da cidade de Brejo, do povoado de Boa Água. Pois eu vou mudar o nome desse lugar para saco das almas – disse o comandante lá – porque foi de lá que vieram as almas que defenderam o Brasil.”"
(http://leitorurbano.wordpress.com/2009/02/14/saco-das-almas-boas-%E2%80%93-defensores-do-seu-chao/)
IMAGENS:
http://tvmirante.blogspot.com.br/2014/05/brejo-ma-sedia-1-congresso-regional-de.html
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-77042010000200004&script=sci_arttext
http://territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com.br/2011/07/em-audiencia-publica-orgaos-firmam.html
http://www.oitimba.com/articles/read-tio-de-dutra-diz-que-ele-nunca-fez-nada-por-parte-da-familia-e-povoado-onde-nasceu_49.html
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